quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

1982(5)

Esta alteração na concepção teórica e prática do jogo da selecção brasileira é acompanhada de um recalcamento do estilo da selecção de 1982, pois durante um determinado período as imagens do futebol praticado pela selecção foram retiradas da circulação, relembrando-se apenas pequenos flashes, normalmente do jogo que ditou à sua eliminação. “… é signo do recalque e revela a tentativa forçada e obsessiva de ver o 3 a 2 contra a Itália com a mesma textura na cultura do 2 a 1 contra o Uruguai de 1950. De fato, nos acostumamos a lidar com a iconografia das duas histórias, muito diferentes no tempo e no espaço, do mesmo modo. Um segundo dado do trabalho de recalque que se abateu sobre a selecção de 1982 é a crítica constante, reclamona e infantil que Telê Santana e os jogadores sofreram a respeito daquela jornada. Foi necessário um título mundial de clubes em 92; depois ganharia outro em 93, ambos pelo São Paulo", com um óptimo futebol, para cada uma de suas Copas perdidas, para que o mestre Telê tivesse o respeito resgatado na cultura.”[1]
As entrevistas com Telê Santana no programa desportivo “ Roda-viva” na época das conquistas internacionais do S.Paulo aconteceram dez anos depois do malogro de 1982, e seria normal que num ambiente festivo o tema fosse o sucesso dessa equipa. Todavia a memória e frustração dos jornalistas em determinada altura fez regredir a entrevista no tempo e o treinador do São Paulo, foi “transformado” novamente no seleccionador de 1982, rumando a temática da entrevista para o trauma brasileiro que mesmo em situações festivas está “sempre presente”. A partir desse momento os jornalistas procuraram encontrar em Santana, o responsável do desaire pelo facto de ter estruturado uma equipa “demasiado” ofensiva no jogo contra a Itália, esquecendo e omitindo que os 3 golos sofridos pelo Brasil, não foram sofridos em contra-ataque.
Parece-me importante registar mais algumas citações que elucidam o quanto uma derrota num jogo de futebol marcou em termos de memória e frustração um povo e os adeptos mundiais de um estilo de jogo.
“Muito poucas vezes vimos tão nitidamente a ideia de nosso futebol. Dessa forma eu prefiro imaginar que a melhor frase, para concebermos mais precisamente a história, seria a seguinte: "O auge do futebol brasileiro parece ter-se dado entre o final de década de 50 e o ano de 1982". Trazendo de volta esse fragmento necessário da história, o fato de que a selecção de 1982 faz parte do auge histórico do futebol brasileiro, o modelo de sua derrocada rumo à mediocridade das Copas seguintes (incluindo aí as que ganhamos) é de outra natureza e adquire outra forma: trata-se -imaginariamente, é claro- de uma derrocada súbita, de uma pane simbólica instantânea, do modelo da batalha perdida que é a própria guerra. O modelo de nossa derrocada futebolística, em seu sentido psíquico, é claro, é o de Alcácer Quibir [batalha perdida pelo rei português dom Sebastião, em 1578, que levaria dois anos depois à perda da soberania nacional para a Espanha e daria origem a um milenarismo conhecido como "sebastianismo"" e aponta para as dissoluções trágicas de mundos, que certas realidades da vida humana, familiar, emocional ou cultural podem mesmo sofrer. Parte da imensa dor que sentimos aí é que a ilusão bem fundamentada no real foi subitamente desfeita.” [2]
Este comentário demonstra o enorme trauma e frustração dos amantes do Futebol- Arte e simultaneamente um saudosismo e uma esperança de um regresso às origens.
“Nosso futebol desapareceu subitamente, diante das reacções adversas à sua natureza mais essencial, perante a angústia daquela derrota. Desde então cansamos de ouvir que o bom futebol seria o competitivo e eficaz, o que apenas ganha, e não o belo, ofensivo, mas derrotado, como se essas características estivessem para sempre fundidas. Um momento importante na psicanálise de algumas crianças se dá quando a tirania de só poder jogar para vencer -ou de só poder vencer- se abre para a possibilidade, bem mais rica, de poder também perder.”[3]
“Talvez o horror maior para essa posição psíquica medíocre que tem sido a nossa, no momento actual do capitalismo novamente globalizado, seja exactamente o que a história da selecção brasileira de 1982 denuncia: que mesmo que façamos tudo certo não atingiremos a vitória, reservada aos detentores da ordem económica deste mundo. Talvez seja essa recusa em aceitar a derrota que tenha liquidado as potências vivas de nosso futebol em nome mesmo daquilo que jamais atingiremos, a vitória plena e vazia de toda verdade. “[4]
A análise destes últimos comentários resume o peso que a derrota de 05 de Julho teve na evolução do futebol, marcando-o definitivamente. Um elemento importante e demonstrativo da nova concepção do futebol no Brasil são os novos métodos de recrutamento dos jovens atletas, onde é dada preferência aos mais altos, uma minuciosa análise à parte física e só posteriormente o atleta é avaliado técnica e tacticamente.[5]
[1] http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/82selecaorecalcada.html

[2] http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/82selecaorecalcada.html
[3] http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/82selecaorecalcada.html

[4] http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/82selecaorecalcada.html

[5] http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/1153/115316963008.pdf

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